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Um retrato do autismo no Brasil

Informações sobre o transtorno ainda são vagas e pacientes têm dificuldades em obter diagnóstico precoce e tratamento

O dia 2 de abril foi instituído pela ONU em 2008 como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. O autismo é uma síndrome que afeta vários aspectos da comunicação, além de influenciar também no comportamento do indivíduo. Segundo dados do CDC (Center of Deseases Control and Prevention), órgão ligado ao governo dos Estados Unidos, existe hoje um caso de autismo a cada 110 pessoas. Dessa forma, estima-se que o Brasil, com seus 200 milhões de habitantes, possua cerca de 2 milhões de autistas. São mais de 300 mil ocorrências só no Estado de São Paulo. Contudo, apesar de numerosos, os milhões de brasileiros autistas ainda sofrem para encontrar tratamento adequado.

As incertezas que rondam o autismo

Apesar de o autismo ter um número relativamente grande de incidência, foi apenas em 1993 que a síndrome foi adicionada à Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde. A demora na inclusão do autismo neste ranking é reflexo do pouco que se sabe sobre a questão. Ainda nos dias de hoje, o diagnóstico é impreciso, e nem mesmo um exame genético é capaz de afirmar com precisão a incidência da síndrome. “Existe uma busca, no mundo todo, para entender quais são as causas genéticas do autismo”, explica a Professora Maria Rita dos Santos e Passos Bueno, coordenadora do núcleo voltado a autismo do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco do Instituto de Biociências (IB) da USP. “Hoje a eficiência do teste ainda é muito baixa”, afirma ela.

Dessa forma, como ainda não se pode afirmar geneticamente as causas do autismo, usa-se o diagnóstico baseado em observação do paciente (que geralmente apresenta sintomas como dificuldade de comunicação, além de comportamento repetitivo). Contudo, a detecção dos sintomas também não é fácil. “Às vezes é sútil você conseguir fazer essas classificações”, argumenta a professora do IB, “as crianças têm dificuldade de linguagem, de interação social, mas isso é uma variação de comportamento, e é difícil perceber o que é normal e o que não é.”

No fim de 2014, os pesquisadores do Projeto Genoma fizeram uma importante descoberta na área: o gene TRPC6 seria um dos genes de predisposição ao autismo e alterações nesse gene levariam a problemas nos neurônios. Indo mais além, chegaram à conclusão de que tais variações podem ser corrigidas com uma substância chamada hiperforina, presente na erva-de-são-joão. Todavia, uma vez que o gene descoberto é apenas uma das possibilidades de causa do autismo, a hiperforina só seria possível como tratamento para aqueles pacientes cujo transtorno provém do TRPC6. “A expectativa é que talvez 1% dos pacientes possa responder positivamente à erva-de-são-joão”, explica Maria Rita. Além da pesquisa, o Projeto Genoma oferece aos pacientes autistas, desde 2001, um serviço de aconselhamento genético. “Estudamos as famílias geneticamente e caracterizamos a parte comportamental. Já atendemos mais de mil pacientes”, afirma a professora.

Como existe uma série de graus de autismo, a intensidade dos sintomas pode variar. “A criança no extremo do espectro tem seu comportamento bastante comprometido, enquanto a pessoa de grau leve pode ser extremamente brilhante”, diz o dr. Estevão Vadasz, professor do Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP. “Enquanto alguns não falam nem se comunicam, alguns autistas são muito inteligentes.” Segundo o professor, uma criança pode evoluir se diagnosticada cedo e se submetida a tratamento adequado. “O diagnóstico e tratamento precoces, com a criança de até um ano e meio, é o grande salto nos países desenvolvidos”, afirma Vadasz.

 

Depois do diagnóstico, o tratamento

Uma vez diagnosticado autista, o paciente e sua família enfrentam mais uma barreira: a busca pelo tratamento. As dificuldades residem, sobretudo, na falta de profissionais preparados para lidar com o transtorno, sobretudo na rede pública. Para o dr. Vadasz, o problema começa ainda na formação médica. “Temos centenas de escolas de Medicina, e todas deveriam colocar na graduação o ensino de autismo para pediatras”, argumenta ele.

Vadasz, especialista em psiquiatria infantil, é fundador do Protea (Programa do Transtorno do Espectro Autista), um programa do IPq destinado ao atendimento de pacientes autistas. O grupo é formado em sua maioria por alunos residentes, além de profissionais voluntários, e faz cerca de 400 consultas por mês, utilizando-se de técnicas como a Terapia Dirigida por Cães (TAC). Porém, como o acompanhamento no Protea se dá a longo prazo, hoje o programa não tem condições de atender novos pacientes, se limitando a continuar o tratamento dos já cadastrados. “A demanda de autistas é extraordinária, mas não temos recursos para abrir mais vagas”, afirma Vadasz.

Atualmente, um dos tratamentos mais seguros no que tange ao autismo é o uso de Terapia Comportamental (TC). “É o único tratamento baseado em evidência científica”, afirma Martha Hubner, professora do Instituto de Psicologia (IP) da USP. Martha dirige o Centro para Autismo e Inclusão Social (Cais), cujo projeto se distingue por não só oferecer tratamento gratuito autistas, mas também por prover aos pais uma espécie de treinamento para lidar com esses pacientes ao longo da vida. “A criança e os pais ficam aqui no Cais aprendendo durante dois anos. Os pacientes melhoram muito, aprendem a falar e a pedir”, comemora. O tratamento é dirigido por alunos de graduação e pós-graduação, focando justamente na área comportamental, e assim, além da prestação de serviço a sociedade, o Cais é também uma ferramenta auxiliar de ensino.

A professora do IP explica que, nos Estados Unidos, um paciente diagnosticado com autismo só pode ser tratado com Terapia Comportamental. No Brasil, embora tal tratamento não seja o único permitido, recentemente um edital foi lançado indicando o uso desse método. Para Martha, ainda vai levar algum tempo até que os profissionais estejam capacitados para utilizar a Terapia Comportamental no tratamento do autismo. “Existe no Brasil um déficit muito grande no trabalho com terapia, sobretudo especializada em autismo”, afirma ela.

Atualmente, um dos serviços públicos que podem ser procurados por pacientes autistas é o Caps (Centro de Atenção Psicossocial), que atende adultos e crianças em regime intensivo com as mais variadas demandas, como alcoolismo e uso de drogas. Os centros são usados no tratamento de autistas justamente por seu caráter intensivo. Contudo, segundo Marcus Sousa, aluno do Cais e funcionário do Caps de Carapicuíba, tais instituições ainda não estão preparadas para lidar com a demanda autista. “Nem sempre a intervenção é bem realizada porque os profissionais não tem capacitação para tratar de autismo especificamente”, explica ele. “Além disso, os trabalhos são feitos geralmente em grupo, o que não funciona com pacientes autistas, que já tem uma dificuldade de interação social.”

 

Legislação

Em dezembro de 2012, alguns dos direitos dos autistas passaram a ser assegurados pela lei 12.764, chamada de “Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista”. Basicamente, a lei reconhece que os portadores de autismo têm os mesmos direitos que todas os outros pacientes com necessidades especiais no Brasil. Entre outros aspectos, a legislação garante que os autistas podem frequentar escolas regulares e, se necessário, solicitar acompanhamento nesses locais. Em 2007, o Estado de São Paulo foi obrigado, por lei, a arcar com os custos de educação e saúde de qualquer indivíduo com autismo. “O Estado então deve arcar com os custos em centros especializados, e qualquer pai pode recorrer”, explica Marcus Sousa, “mas na prática nem sempre isso funciona”.

Portanto, apesar dos relativos avanços na legislação, a inclusão de crianças especiais ainda é difícil. Cassio Garcia é pai do pequeno Rafael, que é autista e paciente do Projeto Genoma. Garcia diz que o filho, de 3 anos, já foi praticamente rejeitado por uma escola particular. “A escola fez o possível para tirarmos ele de lá”, afirma o pai. “A sociedade não está preparada para lidar com crianças especiais.” Marisete Grande, mãe de Rafael e doutora pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), conta que a coordenação do colégio afastava o filho do convívio social para, segundo Marisete, preservar a integridade das demais crianças. “Eles incluem excluindo”, argumenta ela.

O professor Vadasz afirma que, no ano passado, entregou à Secretária da Saúde do Estado de São Paulo um projeto de Centros de Referência para autismo. A princípio, seriam cinco unidades, funcionando gratuitamente com diagnóstico e tratamento integral de 12 horas diárias acompanhado por profissionais de várias áreas. Porém, segundo Vadasz, o projeto está parado devido a disputas judiciais entre prefeitura e Estado acerca de quem arcaria com os custos do tratamento. “Até o fim do ano o Ministério Público decidirá quem é o responsável pelo atendimento. Enquanto isso, os autistas sofrem”, lamenta o professor.

 

Fonte: http://www.usp.br/espacoaberto/?materia=um-retrato-do-autismo-no-brasil

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